domingo, janeiro 28, 2018

Porcupine Tree



Resolvi dar nova chance a essa banda inglesa liderada pelo multi-instrumentista Steven Wilson. Quando eu tinha loja, lembro de ter escutado Signify e Lightbulb Sun, e pelo menos o segundo me soou bem comum à época. Como não tinha visto nada demais, e como tinha lido de muita gente que Lightbulb Sun era o melhor disco deles, desisti de ouvir qualquer outra coisa (me esquecendo do ódio que críticos costumam ter com qualquer coisa que se aproxima de rock progressivo).

Ou seja, ouvindo na ordem cronológica, é possível perceber que até então Lightbulb Sun é o disco mais fraco deles, o único que cai após vários discos diferentes entre si, mas de equivalente valor musical, a meu ver. Porque ao tornar-se pop, enterrando quase totalmente o space rock e as viagens floydianas do passado, o Porcupine Tree tornou-se também uma banda comum, a despeito de uma ou outra boa (e até ótima) melodia, como "Where We Would Be" e de uma insinuante faixa como "Hatesong". O que, no balanço geral, constrói um bom disco, mas claramente inferior a todos que eles tinham feito antes.

Depois desse disco começa a chamada fase metal da banda, o que nada mais é, ao menos se considerarmos somente o disco seguinte, In Absentia, que o mesmo tipo de material mais pop de Lightbulb Sun com uma guitarra mais pesada de vez em quando. Em alguns momentos, nada que um OK Computer já não tivesse mostrado com melhor desenvoltura e composições mais fortes. Em outros, o passado de atmosferas espaciais mostra-se não totalmente enterrado e engrandece composições como "3" ou a prog-metálica "The Creator Has a Mastertape". Há, claro, outros ótimos momentos de prog metal, como na instrumental "Wedding Nails" e sua guitarra desafiadora. É a melhor faixa do disco. E é melhor que quase tudo feito pelo Dream Theater (banda que é sempre lembrada quando se fala de prog-metal).

Deadwing, o disco seguinte, confirma a adesão ao prog metal. É mais pesado que o anterior, refletindo a aproximação de Wilson com a banda Opeth e sua admiração pelos Nine Inch Nails. Fear of a Blank Planet, tido como um retorno à fase anterior, é novamente um prog metal de inspiração Queensrychiana (e nos piores momentos, Fateswarningiana), no qual se destaca a faixa de encerramento, "Sleep Together". No disco seguinte, The Incident, eles voltam a pensar em temais mais complexos, mudanças climáticas mais sensíveis, ainda que a orientação dos últimos discos não tenha sido completamente negada. De todo modo, este último LP, lançado pela banda no final da década passada, é o melhor que fizeram no século 21. E pelo menos uma música, "Time Files", com seus 11 minutos, rivaliza com as suites dos anos 90.

Nada tão desafiador, contudo, quanto o que eles produziram de On the Sunday of Life, o primeiro LP, quando Porcupine Tree era praticamente uma banda de apoio para as ideias visionárias de Steven Wilson, até Signify, o quarto LP que, reouvido agora, soa muito mais forte do que quando o conheci. Curiosamente, a melhor faixa de toda a carreira da banda talvez seja justamente uma dessas guinadas para um som mais palatável. Trata-se de "Stars Die", lançada como single na Inglaterra e presente em LP apenas na versão americana de The Sky Moves Sideways, o ótimo terceiro disco da banda. Wilson, ao menos no Porcupine Tree (sua carreira solo ainda precisa ser ouvida), parece melhor quando se abre esporadicamente ao pop do que quando o abraça mais plenamente.

On the Sunday of Life (1992) * * * *
Up the Downstair (1993) * * * *
The Sky Moves Sideways (1995) * * * *
Signify (1996) * * * *
Stupid Dream (1999) * * * 1/2
Lightbulb Sun (2000) * * *
In Absentia (2002) * * *
Deadwing (2005) * * *
Fear of a Blank Planet (2007) * * *
The Incident (2009) * * * 1/2

quinta-feira, janeiro 11, 2018

Patto



Com quatro discos lançados, a banda inglesa Patto, um dos patrimônios do selo Vertigo em sua fase mais prestigiada, a da espiral, moveu-se de um jazz-rock movido ao básico voz-baixo-guitarra-bateria, com eventuais incursões pelo vibraphone, visto no primeiro LP Patto (1970) para um rock suingado e funkeado que atinge sua formatação decisiva no terceiro disco, Roll'em, Smoke'em, Put Another Line Out (1972). São dois discos essenciais para quem gosta de rock com pitadas generosas de jazz, soul e blues.

Como sou fascinado por discos de transições, não tenho como considerar o segundo deles, Hold Your Fire (1971), outra coisa que não a obra-prima do grupo. Pensando bem, é fácil chegar a essa conclusão, visto que os outros discos têm uma irregularidade, pontas soltas e momentos desnecessários ou mesmo mais fracos, que Hold Your Fire não tem. Ouvindo esse disco comigo, nos anos 90, quando conhecemos a banda, meu irmão observou que Ollie Halsall toca guitarra como se fosse um saxofone, e é verdade. É em Hold Your Fire, mais ainda que no incrivelmente jazzístico primeiro disco, que a influência de Hot Rats (o LP do Zappa tido como inaugural do jazz rock junto com In a Silent Way, de Miles Davis e alguns outros discos menos famosos) parece mais evidente. Halsall deixa sua guitarra percorrer caminhos sinuosos com rapidez, puxando o restante da banda e mostrando um incrivel entrosamento entre ele e o vocalista Mike Patto. É desse disco a minha preferida da banda, e uma espécie de portfolio do que pode Halsall quando inspirado: "Give it All Away".

Em Roll'em, já pela gravadora Island, Halsall às vezes parece mais interessado no piano do que na guitarra, como podemos ver já na excelente faixa de abertura "Flat Footed Woman" ou na igualmente excelente "Turn Turtle", duas das melhores faixas do disco. "Loud Green Song", por sua vez, é um rockão sujo, com baixo jazzístico e guitarra aceleradíssima, como a de um Alvin Lee. É um disco bem solto, como o primeiro, ainda que isso provoque bobagens como 'Mummy" e "Cap'n P' and the Attos". É também mais sujo e mais para o blues e o soul do que para o jazz, se é que dá para separar assim facilmente as influências ouvidas. A melhor do disco é "Singing the Blues on Reds", que de certo modo explica melhor o que tentei dizer acima, ao mesmo tempo em que mostra que a banda estava indo por outros caminhos.

O que era para ser o quarto disco, Monkey's Bum, gravado em 1973, foi engavetado e só veio à luz em 2002 por cortesia da gravadora Akarma, com produção mais tosca que o usual porque a banda havia se desmanchado, deixando a Island com liberdade para então cancelar o lançamento. Não é um mau disco, mas carece mesmo de acabamento. Até para os padrões sujos do terceiro disco. Dá para ouvir a guitarra de Halsall a mil, como sempre, alguns instrumentos de sopro que ficaram sem crédito provavlemente por falta de pesquisa por parte da Akarma, e é possível perceber que a banda tentava voltar ao nível de excelência de Hold Your Fire. Pena que ficaram no meio do caminho.
Patto foi para o Spooky Tooth, banda que sempre considerei superestimada dentro desse contexto de rock obscuro setentista, e depois formou o Boxer, com um bom primeiro disco e outros dois discos mais modestos. Halsall tocou em alguns discos do genial Kevin Ayers, e pode ser visto num dueto sensacional com Andy Summers em um show do Kevin Ayers de 1983 (Halsall com um roupão rosa).

Patto (1970) * * * *
Hold Your Fire (1971) * * * * *
Roll'em, Smoke'em, Put Another Line Out (1972) * * * 1/2
Monkey's Bum (1973 – 2002) * * *

terça-feira, novembro 07, 2017

Todd Rundgren em 1975 e 1976



Foi um período difícil para Todd Rundgren o miolo dos anos 1970. Ele que já havia mostrado um talento quase inigualável como compositor desde os primeiros discos com o Nazz, e explodiu definitivamente com três discos impecáveis feitos em sequência – Something/Anything (1972), A Wizard: A True Star (1973) e Todd (1974) -, respectivamente o terceiro, quarto e quinto discos solos de sua carreira, parece ter entrado em parafuso após este último. Após a gradual complexificação de seu pop/rock orientado para canções, operação que confundiu os críticos que gostariam de mais Something/Anything. Para onde ir agora? – é o que devia se perguntar Todd à época da ressaca de Todd.

A resposta inicial foi montar uma nova banda, a exemplo do que fez Paul McCartney dois anos depois de sair dos Beatles. Utopia seria essa banda, e teria a proposta de responder ao som do momento de maneira criativa, ou seja, expandindo uma vertente específica daqueles tempos, no caso, o rock progressivo. Por mais que o primeiro disco desse projeto seja muito inferior ao trabalho solo de Rundgren até então, havia ali qualquer coisa do gênio a que estávamos acostumados.

Isto é algo praticamente ausente de Initiation (1975), com o qual deu prosseguimento à carreira solo. Meio prog, meio místico, meio disco, esse disco insólito tem mais de uma hora de duração, em um único disco de vinil (imagine a fragilidade da mídia física, com os sulcos todos esprimidos para que caibam todas as músicas), uma porção de boa música junto de algumas bobagens e nada, absolutamente nada que fizesse jus à grandeza desse músico.

Pior é o disco seguinte, Faithful, lançado após um disco ao vivo do Utopia, em 1976. Com o primeiro lado só de covers, Todd Rundgren desceu onde nunca havia descido em sua carreira. Primeiro pelas escolhas, óbvias. Depois pela falta de imaginação nas versões, que em nada acrescentavam às suas originais. O lado B, só de composições próprias, é bem melhor (embora longe da excelência do período 72-74), mas o estrago estava feito.

Sua carreira, felizmente, entraria nos trilhos em 1978, quando, após dois bons discos do Utopia – RA e Oops Wrong Planet, ambos de 1977 – ele lança mais um ótimo disco solo de pop-rock (quase tão bom quanto o mais aventuroso Todd). Hermit of Mink Hollow é o nome do disco, que contém faixas mais curtas e simples, e vem com o hit "Can We Still Be Friends".
 
P.S. Sempre esqueço de colocar The Ballad of Todd Rundgren (1971), seu segundo disco solo, no lugar que lhe é devido: o de obra-prima absoluta. Ou seja, são quatro discos impecáveis em sequência ali na primeira metade dos anos 70.



domingo, setembro 10, 2017

Cotações ELOY


Volta o blog, voltam também as cotações. Como não acrescentei no post anterior, e como resolvi reouvir a maior parte dos discos comentados, aqui vai uma série de cotações atualizadas para os álbuns da banda até 1984, com breves comentários. Boa viagem.

Eloy (1971) **
Hardão genérico que lembra milhares de discos da época.
Inside (1973) ****
Frank Bornemann resolve levar seus cúmplices ao espaço e isso faz muito bem à banda. As faixas continuam grandes, mas agora os arranjos fazem toda a diferença. Na linhagem kraut-rock espacial que Jane, Novalis e Holderlim iriam perseguir adiante.
Floating (1974) ****1/2
Um aprimoramento do progressivo pesado e espacial apresentado no disco anterior, e forte candidato a segundo melhor álbum da banda. Peso, viagem, melodia, tudo em ótimas camadas sonoras.
The Power and the Passion (1975) ****
Talvez seja o primeiro disco com a sonoridade típica do Eloy mais conhecido, e também o primeiro com o conhecido logo e o mesmo padrão de capa com paisagem que será repetido em Dawn.
Dawn (1976) *****
É de fato a obra-prima da banda. Um dos discos mais variados de sua fase progressiva, com vozes estranhas invadindo o som espacial e melodias verdadeiramente pacificadoras.
Ocean (1977) ***1/2
Lado A magnífico, lado B genérico em tudo. Estava na hora de uma nova reformulação da sonoridade, sob o risco de se repetir. O que eles fizeram em seguida, após o burocrático ao vivo, foi um meio termo cômodo, mas que deu certo.
Live (1978) ***
Burocrático mesmo. E duplo ainda por cima. Claro, as músicas são boas, então o disco sobrevive.
Silent Cries and Mighty Echoes (1979) ****1/2
Percebe-se aqui que o clima fica um pouco menos viajante e mais palatável para um público oitentista.  Como já havia dito, este disco antecipa em muito o neo-prog que seria assumido pelas bandas inglesas da década seguinte, ao menos a boa porção delas (Marillion, Pallas), infelizmente minoritária.
Colours (1980) ****
Entram de sola nos anos 80 completando a transição iniciada no disco anterior e preparando o terreno para a crescente modernidade eletrônica dos discos que viriam. É o British Steel do Eloy (em alusão à obra-prima do Judas Priest que forjou a identidade oitentista da maior banda da NWOBHM).
Planets (1981) ****
Outro belíssimo disco com sonoridade moderna e ainda mantendo os dois pés no progresssivo. A capa do lançamento britânico é muito mais bonita (pode ser vista aqui)
Time to Turn (1982) ***1/2
Cai um pouco, mas não o suficiente para desanimarmos, ainda mais porque a faixa de abertura, "Through a Somber Galaxy", é arrasadora, com o baixo de Klaus-Peter Matziol embalando a melodia. Em todo caso, o Eloy fez a transição para os anos 80 um pouco melhor que o Camel, que nesse mesmo ano lançava o mediano A Single Factor.
Performance (1983) ***1/2
Mais moderno ainda, de um modo perigoso, mas surpreendentemente forte em retrospecto. Acho que foi o terceiro álbum que ouvi da banda, logo após de conhecê-la com The Power and the Passion e Dawn. Envelheceu bem esse disco cuja existência parece possível unicamente nessa primeira metade dos anos 80.
Metromania (1984) ***
Ainda mais modernoso que Performance, a ponto de talvez ser um tanto forçado chamar de progressivo. New Wave espacial seria mais apropriado.
 


quinta-feira, setembro 07, 2017

Eloy




Lá vou eu novamente ser do contra. Não por querer, mas por acontecer mesmo. É que nunca entendo essa quase unanimidade com relação ao Ocean (1977) ser o melhor disco do Eloy. Para mim, pelo menos três discos deles são melhores: Power and the Passion (1975), Silent Cries and Mighty Echoes (1979) e, acima de todos, o maravilhoso Dawn (1976), único postulante a obra-prima dos discos da banda.


Acho o lado 1 de Ocean extraordinário. O que quer dizer que de suas quatro músicas, as duas primeiras são muito boas. Já as duas últimas me parecem genéricas, algo criado por algum computador com informações genéticas do Eloy. Dawn, ao contrário, é inteiramente forte. Mais variado e nada monocórdico, cheio de melodias belas e empolgantes passagens instrumentais. É tão superior a Ocean, a meu ver, que desconfio que muitos elegem este último no piloto automático, sem ter se dado ao trabalho de ouvir as pérolas que compoem Dawn, das maravilhosas partes "Appearance of the Voice/Return of the Voice" à primeira "Lost", passando por "The Sun Song", "The Midnight Fight/The Victory of Mental Force" e Gliding Into Light and Knowledge", são mesmo muitas peças inspiradas de prog-rock, com uma força que eles nunca mais repetiriam.

A trinca Colours (1980), Planets (1981) e Time to Turn (1982), embora não tenha a qualidade de Silent Cries and Mighty Echoes, o álbum que fecha os anos 70 e já aponta para o neo-prog que iria despontar nos 80 (ouça "Master of Sensation" e entenda meu ponto), eu sempre achei interessante. Acho que a banda soube passar de suas influências floydianas para um som mais balançante, próximo do neo-prog, mas com maior inspiração. É em Performance (1983) que a coisa começa a ficar complicada. É um disco que tem seus momentos. A música que a Globo usou em seus documentários ("Shadow and Light") tem força. Mas já desperta um certo cansaço, ao contrário dos anteriores, que rolam bem do começo ao fim. Metromania (1984) é um pouco melhor. Nunca escutei o que veio depois, com a exceção do Ocean 2 (1998), que na época me pareceu bem fraco.

P.S. Reouço Performance e me surpreendo. É mais um disco legal da banda, com sete boas composições. E menos pop modernoso do que eu lembrava, talvez porque agora gosto de muitas coisas que são pop modernoso, então não me incomoda mais essa mistura de progressivo com a sonoridade eletrônica-cafona da época. Para melhorar, a capa faz alusão a um jogo de sinuca.

segunda-feira, agosto 28, 2017

Som Imaginário


Entendo todo aqueles que, do alto de sua superioridade numérica, para não falar em quase unanimidade, proclamam Matança do Porco (1973), o terceiro LP, como a obra-prima do Som Imaginário. Talvez seja mesmo o disco mais acabado da banda, aquele em que há uma ideia clara que perpassa todo álbum. Meu coração, contudo, fica com o primeiro LP deles, intitulado simplesmente Som Imaginário e lançado em 1970.

É uma explosão de genialidade que tenta dar conta de personalidades tão distintas quanto as de Zé Rodrix, Frederiko, Tavito e Wagner Tiso em um único disco. Se Matança do Porco é o disco progressivo da banda, seria prematuro descartar este como não-progressivo, ou mesmo ignorar o que ele tem de progressivo, num sentido mais amplo, menos sinfônico e purista do termo.
O primeiro, o terceiro e o quarto compõem, juntos, a faixa de abertura, "Morse", uma espécie de jam-session em estúdio, jazzística e latina, cheia de percussão e órgão envenenado. Na segunda, meio infantil, mas genial em seu arranjo instrumental e no vocal psicodélico, é toda composta por Zé Rodrix, a personalidade mais forte do disco. Chama-se "Super-Goo" e tende a conquistar de vez o ouvinte de coração aberto. Na terceira já estamos dominados, prontos para viajar com a voz de Milton Nascimento em sua "Tema dos Deuses", uma canção cheia de climas, em que a guitarra de Frederiko se impõe, como sempre, mesmo que discreta. Isso nos lembra que o Som Imaginário nessa época acompanhava Milton em discos e shows, assim como acompanhava outros músicos, notadamente Gal Costa.

Rodrix volta em "Make Believe Waltz", que compôs com Mike Renzi. Rodrix grita, em inglês, sem disfarçar sua voz feia, de taquara rachada, mas que por algum motivo me encanta. Talvez seja a vontade, o descaramento de cantar assim, como um Bob Dylan em rádio AM com pilhas fracas. Talvez seja uma bela voz, afinal, e eu sei pouco das coisas.

As três faixas seguintes mostram uma dominação do guitarrista Frederiko. Ele que seria mais dominador com a saída de Rodrix, no segundo álbum, antes da dominação de Tiso no terceiro, brilha aqui em três temas mais diretos, mais sintonizados com o que se estava fazendo no rock da época. O primeiro deles é "Pantera", em cima de uma letra de Fernando Brant. Trata-se de um mantra bluesístico que abre espaço também para o sotaque carioca de Zé Rodrix, alternando com a voz mais certinha de Frederiko. Voz que brilha no segundo de seus temas, "Sábado", uma das faixas de beleza mais secreta do álbum. É gosto adquirido. Depois de algumas audições, essa bela e poética canção não sai mais de sua cabeça (ao menos o "sábado eu vou" entoado no refrão não sairá, garanto). "Nepal", a terceira canção seguida comporta por Frederiko, está mais para uma brincadeira, um mantra psicodélico que vira canção infantil na segunda parte: "no Nepal tudo é mais barato, no Nepal tudo é muito barato"...

O grande hit do disco chega em seguida. Uma canção composta por três gênios da música mineira: Lô Borges, Beto Guedes e Fernando Brant. Sim, "Feira Moderna", em uma de suas várias versões, quase todas ótimas (é difícil estragar uma música dessas). Um convite sensual. É engraçado como Rodrix canta essa música (algo que fica mais claro ao vivo, como no ensaio da TV Cultura que tem no YouTube). Ele canta como se tivesse um baita vozeirão, como se fosse um Orlando Silva e não o Lou Reed raquítico que amamos. Talvez possamos creditar isso à sua vontade e à sua musicalidade explêndida, que faz com que tudo que ele tocasse, ao menos na primeira metade dos anos 70 (Som Imginário, Sá, Rodrix e Guarabyra, carreira solo) virasse ouro.

"Hey Man", composta por Tavito e Zé Rodrix, é inclassificável. Pop, progressiva, jazzy, psidodélica, com uma melodia celestial em sua terceira parte e uma estrutura em que a primeira parte fica só lá, no começo, como um prelúdio ameaçador, com percussão e a voz doida de Rodrix nos preparando para as duas partes seguintes, que se repetem como um resumo do que se fez de melhor na música brasileira dos anos 60 e 70. Uma levada dançante do baixo e da bateria na segunda parte e um mellotron tornando a terceira parte algo realmente inesquecível. Esse clima seria repetido no maravilhoso primeiro disco solo de Tavito, de 1979 (o que tem "Rua Ramalhete" e "Naquele Tempo"), mas infelizmente ele não regravou essa música soberba.

O disco se encerra com "Poison", excelente composição de Rodrix (com Marco Antonio), discreta o suficiente para nos permitir a recuperação após duas faixas estrondosas como "Feira Moderna" e "Hey Man". E sendo uma canção de ninar em rock progressivo, é também uma das faixas que permitem que consideremos este disco como um dos melhores registros de rock progressivo que já se fez no Brasil. Bah, raios, é de fato um dos melhores discos já feitos no Brasil.

sábado, agosto 26, 2017

Ultravox


Nesta nova reencarnação do Melomania, o segundo post é para o Ultravox, banda inglesa incrível e incrivelmente subestimada, mesmo em sua fase mais estimada, com o vocalista John Foxx, nos três primeiros discos (1977-1978).

Façamos justiça: esses três primeiros discos, que vão de um cruzamento de Hawkwind (fase Bob Calvert) com o Bowie de Station to Station e o Roxy Music dos primeiros discos, são geniais. Três pérolas que ajudaram a definir a sonoridade da passagem para os anos 80. Começando com o pós-punk melódico de Ultravox (1977), que recebe algumas tintas eletrônicas em Ha Ha Ha (1977), o perfeito disco de transição, até a definição do estilo new-wave eletrônico do incrivelmente injustiçado Systems of Romance (1978), o que os cinco batutas criaram nesses discos foi o gradual encontro das referências acima com a sonoridade de Kraftwerk, cortesia do produtor Conny Plank, do terceiro disco, com quem eles fariam também os discos seguintes (os dois primeiros haviam sido produzidos por Steve Lillywhite).

A saída de John Foxx abalou as estruturas. Parte da crítica os rejeita a partir de então. Mas eles deram prosseguimento à sonoridade de Systems of Romance com outra obra-prima: Vienna (1980), primeiro disco com Midge Ure (como substituto de dois membros, Foxx e Robin Simon, que havia entrado somente no terceiro disco). Apesar das mudanças, Vienna é um prosseguimento natural de Systems em tudo, mas devo lembrar que em 1978 Systems soava mais moderno que Vienna em 1980. Isso de certo modo mostra o pendor da nova formação em levar a banda ao caminho do sucesso, uma vez encontrado esse caminho.

Como um quarteto, o Ultravox estava pronto para alçar novos voos. A qualidade dos discos cai um pouco, progressivamente, conforme eles fazem da fórmula de Systems algo cada vez mais pop. Como iniciou nos píncaros, até Lament (1985) temos discos de grande qualidade, passando pelos excelentes Rage in Eden (1981) e Quartet (1982).

Cotações:

Ultravox (1977) ****1/2
HaHaHa (1977) *****
Systems of Romance (1978) *****
Vienna (1980) *****
Rage in Eden (1981) ****1/2
Quartet (1982) ****
Lament (1985) ****
U-Vox (1986) ***

quinta-feira, agosto 10, 2017

Qual é o disco mais fraco da primeira formação do Van Halen?




Não concordo com a opinião predominante de que Diver Down é o disco mais fraco do Van Halen com o David Lee Roth. Sei que entre os muitos que assim pensam se encontra meu grande amigo Bento Araújo, mas tenho de dizer que só pode haver alguma má vontade ai, talvez pelo fato de Diver Down ter algumas covers (cinco ao todo, contando a brincadeira "Happy Trails"). Acontece que essas covers são ótimas, principalmente "Where Have All the Good Times Gone", dos Kinks, e "Pretty Woman, de Roy Orbison. O disco ainda tem uma das cinco melhores faixas compostas por eles, a maravilhosa "Secrets".


Pois para mim o mais fraco dessa primeira fase é o seguinte, 1984, um disco que tem seus grandes momentos, sobretudo "Panama". Mas tem também alguns fillers, e o hit mais fraco dessa fase, "Hot for Teacher". Como o anterior, 1984 também é um disco curto. Essa é só mais uma semelhança do Van Halen com o Kiss: fazer alguns discos que passem só um pouco dos 30 minutos.


Dito isso, é necessário dizer que nenhum dos discos que o Van Halen fez depois, com Sammy Hagar, supera 1984, apesar de E5150 ("Summer Nights" é um barato) e OU812 (com a fabulosa "When It's Love) chegarem perto, empatando com o último disco com Roth nas três estrelas.