quarta-feira, dezembro 15, 2004

Editorial corajoso e pertinente do amigo Regis Tadeu, editor da revista Mosh, uma ótima opção para quem quer algo impresso sobre música e comportamento:

A pirataria mora ao lado
Estava eu pensando no que escreveria neste editorial, nas novidades que contaria a você – como a seção Radar, em que abordaremos apenas os lançamentos de bandas nacionais que estão começando a engatinhar em suas próprias carreiras – quando percebi que algo está me incomodando profundamente este mês. Por isso, resolvi colocar neste espaço o mesmo artigo que escrevi este mês na coluna Entre Linhas, que mantenho mensalmente na revista Cover Guitarra. Desculpe a repetição, mas preciso desabafar com você, caro leitor, a respeito de algumas coisas que ninguém anda com coragem em falar abertamente.O negócio é o seguinte: estou começando a achar que essa coisa de pirataria de CDs, downloads gratuitos, MP3 e o raio que o parta não é o monstro sanguinário e assassino que todo mundo se esforça para nos lembrar. Senão, vejamos...Um dos primeiros a levantar essa lebre foi o jornalista Lúcio Ribeiro, da Folha de São Paulo. Ao relatar que o novo disco da banda Libertines foi direto para o primeiro lugar da parada inglesa, ele escreveu que tal fato era “um tapa na cara da indústria musical”. Se você não está entendendo, eu explico: o tal disco, batizado com o nome do grupo, simplesmente estava disponível na Internet quase dois meses antes de seu lançamento. Na íntegra! Tal fato fez com que o álbum batesse recordes de downloads, etc, etc... Só que na mesma semana em que foi lançado oficialmente, The Libertines foi direto para o topo das paradas não apenas da Inglaterra, mas de quase todos os países da Europa. Afinal de contas, o que houve? O que aconteceu foi que mesmo quem tinha baixado o disco nos Soulseeks da vida não pestanejou na hora de comprar o CD oficial, porque já conhecia as músicas, tinha gostado do que tinha ouvido, foi na loja, viu que o preço não era exorbitante (se comparado com a renda média de seu salário), comprou e levou para casa um disco bem gravado, com encarte bacana e o escambau... Sim, você vai dizer que o cara mora na Inglaterra, tem grana, blá, blá, blá, que no Brasil todo mundo é pobre, bla, blá, blá... Aquela velha ladainha de sempre...Sabe qual a explicação? Não importa o lugar no planeta: se a música é boa e está disponível a um preço acessível, neguinho vai comprar o CD oficial, mesmo que ele já tenha uma cópia mal ajambrada em CD-R.Agora, pare para pensar nas pessoas de classes menos favorecidas... Sim, aquelas que todo mundo diz que são as maiores consumidoras de CDs piratas, essas víboras insensíveis que se recusam a pagar quase R$ 40,00 pelo disco do Bruno & Marrone, que optam pela cópia xerocada e xexelenta do camelô a cinco reais. Será que essa massa de gente não acha que, no fundo, a música criada por seus ídolos é uma bela porcaria?Mesmo sem saber, será que essas pessoas não sentem que as canções de seus grupos, duplas e artistas preferidos têm uma vida muito curta na memória de seus admiradores? Resumindo: por que esses cidadãos mesquinhos têm que gastar boa parte do (ridiculamente baixo) salário mínimo para comprar um CD que ele vai enjoar de ouvir em 15 dias?Se você ainda acha que estou de miolo mole, faço aqui a pergunta que não quer calar, mas que ninguém tem coragem de fazer: será que não são os próprios artistas a financiar a pirataria de seus próprios produtos? E digo “produtos” porque é exatamente dessa forma que a música é encarada hoje em dia... Como você explica o fato de um CD estar na banca do camelô 20 dias antes de seu lançamento? Como se explica que já haviam cópias - legendadas - em DVD do filme Kill Bill Vol. 2 três semanas antes do lançamento nos cinemas?Ponha-se no lugar de um artista de sucesso – um cara chamado Mahloney, por exemplo. Imagine que ele ganha 2% sobre o valor de venda para o atacado de cada unidade oficial do CD que acabou de gravar – algo em torno de R$ 0,50 por unidade. Se ele resolver piratear o seu próprio disco, colocar as cópias nas barracas dos camelôs e fazer um acordo em que 60% do valor do CD-R fique para ele e 40% para o “funcionário”, ele vai lucrar... R$ 3,00 por CD-R!!!É para se pensar, não?

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