quarta-feira, dezembro 27, 2023

Marillion revisitado - Parte 2

 


Esta parte do especial Marillion cobre a primeira parte da fase Steve Hogarth, que se tornou muito maior e duradoura do que a fase Fish. Passaremos pelos últimos discos com a EMI e pelos três discos do contrato com a Castle, pela guinada pop, pela volta ao progressivo e por uma tentativa de balancear melhor as duas tendências introduzindo, aos poucos, outros estilos.

Seasons End (1989) * * *1/2

Com a saída de Fish e a entrada de Steve Hogarth, o Marillion deu um passo largo na direção do comum. A estranheza de Fish, mesmo que fosse parecida com a de Peter Gabriel, era um ingrediente importante para a banda. Natural então que o fã se decepcionasse um pouco com este novo disco e um vocal mais dentro dos conformes do neoprog. Essa nova formação só encontraria sua melhor face no terceiro disco, Brave, de 1994. Mas é inegável que o instrumental e a produção aqui encontram um nível jamais alcançado anteriormente. E Hogarth é menos estrela, o que faz a banda ficar mais coesa, com os músicos todos um pouco mais em igualdade perante os fãs. A levemente pop "The Uninvited Guest" e a esplendorosa "The Space" são os maiores destaques, mas "Easter" e "Berlin" são belos achados de arranjo e melodia. Em compensação, penso que nunca foram tão longe no pop como em "Hooks in You". Pena que não deu muito certo.

Holidays in Eden (1991) * * 1/2

O disco mais comercial do Marillion até então quase representou a falência artística da banda. Era para isso que Hogarth entrou? Cada faixa mais desafiadora - "Spiltering Heart", "The Party" - é contraposta por uma constrangedora, para uma banda que ainda estava associada ao progressivo - "Cover My Eyes", "No One Can". Este é o lado A. O lado B é melhor, mas não redime a porção exageradamente pop do disco. Até tem umas comerciais de bela melodia, como "Dry Land" ou "This Town", mas no geral é um passo em falso, não por ser pop, mas por ser pop pouco inspirado. Se era para tentar tocar mais no rádio, que caprichassem nas composições. Ouça marillion.com, de 1999, para comparar.

Brave (1994) * * * *

Disse Hogarth que perceberam o erro no disco anterior e deram uma guinada de 360 graus. Apesar desse sentimento do músico, Brave não é o disco mais arriscado que gravaram. Ao contrário, parece retomar o caminho iniciado com Seasons End, atenuando a faceta pop que Holidays in Eden exacerbava. As músicas voltaram a ser, em alguns casos, suítes, como em Misplaced Childhood. A maior delas, "Goodbye to All That", também a melhor faixa do disco, dura mais de 12 minutos e tem cinco partes. Talvez a banda tenha percebido o sucesso do prog-metal d Queenryche em Empire e decidido que poderia fazer um disco mais robusto, não bem prog-metal, mas certamente um prog mais estrondoso. Fizeram com isso um belo disco.

Afraid of Sunlight (1995) * * * *

Os três anos que separam Brave de seu antecessor dizem muitas coisas, mas não tanto quando o curto espaço de tempo entre Brave e Afraid of Sunlight. Este último flagra a banda ousando mais ainda, buscando novas sonoridades além de seu prog baladeiro, mas sem sair da trilha aberta com o disco anterior. Um crítico da Q definiu assim a mistura: toques do legado de Brian Wilson, Todd Rundgren e Beatles, com notas das trivialidades experimentais de Jellyfish e Split Enz. Pior é que faz sentido, mas em poucas faixas. Como "Cannibal Surf Babe", cruzamento inusitado entre Beach Boys, Split Enz e Can, uma das composições mais ousadas da banda, no sentido de desafio aos fãs, e também a melhor do disco. "Beautiful" é um dos maiores sucessos da banda, o tipo de balada melosa que eles tentam fazer desde Clutching at Straws. Desta vez acertaram em cheio. Entre as demais, a mais bela me parece ser a faixa-título, melodia bem marilliana, balada prog de respeito. As duas faixas acrescentadas no relançamento de 1999, "Icon" e "Live Forever" são estupendas, belos exemplos de experimentação que engrandecem o disco original.

This Strange Engine (1997) * *

"Man of a Thousand Faces" é a pior faixa de abertura de qualquer disco do Marillion até então. Menos por ser uma balada comercial levada por violões e teclado, mas pela melodia um tanto óbvia e genérica. A segunda, "One Fine Day" segue o mesmo padrão, sendo só um pouco melhor. Na terceira, "80 Days", o nível volta a cair. A esta altura, precisaria melhorar muito nas cinco faixas restantes para que o disco fosse meramente satisfatório. A quebra com a EMI e um novo contrato para três LPs com a Castle deve ter mexido inicialmente com a inspiração da banda, que aqui soa como um daqueles pops genéricos dos anos 1990. Uma banda irreconhecível na maior parte do disco. Salvam-se, ainda que em degraus abaixo dos destaques de discos passados, "Estonia" e a faixa-título, único prog do disco, com 15 minutos e um arranjo que inclui solo de saxofone. Belo encerramento para disco que abriu mal e assim continuou por boa parte de sua duração. Felizmente, eles voltariam a fazer belos discos logo em seguida.

Radiation (1998) * * * 1/2

Bem mais desafiador que o disco anterior. Radiation flagra uma banda de espírito renovado, com desejo de seguir sempre em frente, sem se acomodar. "The Answering Machine" é uma das melhores composições da fase Hogarth. "Three Minute Boy" é uma das mais belas. "A Few Words for the Dead" é a prog gigante (mais de 10 minutos) que eles sempre fizeram muito bem. Por mais que o disco caia exageradamente nas baladas a partir da quarta canção, as melodias continuam inspiradas como nas três primeiras, o que faz a diferença.

marillion.com (1999) * * * *

Terceiro e último disco do contrato com a Castle que se seguiu à saída da EMI, este belo trabalho de nome contemporâneo contempla uma banda que já se tornou rainha na confecção de um pop radiofônico e moderno, ajudados pela tendência dos anos 1990 de um pop mais pesado, próximo do metal. Com outro belo álbum em sequência, e este me pareceu ainda melhor que Radiation, eles praticamente se redimem do fiasco de This Strange Engine. A primeira música, "A Legacy", é uma boa amostra disso, e é das melhores do disco - embora seja das menos ouvidas, segundo as estatísticas do YT music. "Deserve" segue a mesma tendência, com uma levada bem moderna e agradável. É outra das melhores. "Rich" é outra das menos tocadas no YT e é bem pop FM, para ver como o Marillion não se dá bem com essas relações óbvias. "Tumble Down the Years" é pop perfeito, uma bela melodia. Aprenderam essa arte muito bem. O disco se encerra com duas faixas enormes. "Interior Lulu", cheia de variações, é melhor, mas "House", que parece saída de algum disco solo do Sting, também é notável.

segunda-feira, dezembro 04, 2023

Marillion revisitado - Parte 1


Gostava muito de Marillion entre 1987 e 1988, o suficiente para lamentar a saída de Fish. Com a entrada na faculdade, na segunda metade de 1989, passei a ouvir outras coisas (sem abandonar o progressivo, mas abandonando um pouco o Marillion). Eventualmente ouvia uma música ou outra com carinho, mas a paixão não existia mais. Até este ano, quando resolvi seguir a sugestão do algoritmo do You Tube e ouvir o primeiro disco deles. Boom, o disco bateu em mim de uma forma que nunca havia batido. Nem mesmo em 1987, quando o ouvi pela primeira vez. Resolvi fazer uma retrospectiva cronológica, inicialmente pulando os discos ao vivo (talvez eu retorne a eles no final). Esta é a primeira parte do ciclo de reaudições, com a fase Fish. Aproveito para ressuscitar o Melomania.

 Script for a Jester's Tear (1983) * * * *

Belíssimo disco de estreia calcado em algum virtuosismo prog com lindas melodias. Lembro que meu disco vinha com o selo de aprovação da FM Fluminense. Os destaques vão para a faixa-título e para a estupenda "Chelsea Monday".

Fugazi (1984) * * * 1/2

Um som de lata atrapalha um pouco a beleza do disco, que continua na pegada de Script for a Jester's Tear, abrindo-se um pouco mais ao pop. O lado B é superior em tudo, principalmente por causa de "Incubus". Mas "Punch and Judy", a segunda do lado A, é irresistível e entrega um pouco das raízes punks da banda.

Misplaced Childhood (1985) * * * * 1/2

O maior sucesso da banda, com o hit arrasa-quarteirão "Kayleigh". O melhor momento é o clímax com a "Bitter Suite", quando as ambições progressivas da banda se manifestam em melhor forma. E ainda tem a fenomenal "Childhood's End?", uma das melhores composições da banda. Por ter menor duração que os discos anteriores, a impressão de que passa rápido demais é ainda maior.

Clutching at Straws (1987) * * * * 1/2

Sendo bem coerente com sua condição de continuadores do Genesis, Fish, o cantor, sai da banda após aquele que poderia ser comparado ao The Lamb Lies Down on Broadway do Marillion. A banda conseguiria grandes trunfos com Steve Hogarth, mas algo mágico se perdeu quando os falsetes de Fish pararam de encontrar a guitarra melódica de Steve Rothery e o teclado à Tony Banks de Mark Kelly. Sorte que ainda lançaram este disco magnífico para celebrar essa incrível reunião de músicos na contramão do som que reinava em sua época. Destaques para "That Time of the Night", "Torch Song" e "Slàinte Mhath". Mas na verdade o disco só tem duas músicas que não são estupendas, justamente as que impedem as cinco estrelas: "Incommunicado" e "Sugar Mice", ambas "só" boas.

B Sides Themselves (1988) * * * *

Coletânea de sobras que tem classe e qualidade para ninguém botar defeito. "Lady Nina" é um assombro de melodia e conceito. Na última audição, me reconciliei com "Grendel", essa cópia de "Supper's Ready" que consegue emocionar mesmo sendo derivativa, pela qualidade da melodia (ouçam o solo de "Alexander The Great", do Iron Maiden, para uma relação curiosa). Bandas cujas sobras são boas assim não se encontram facilmente.